Bárbara
- 19 de out. de 2019

3° Dia - FALHA DE IGNIÇÃO, FAMILIA E RADARES - Sauerland

Atualizado: 24 de ago. de 2021

Epscheid, 27 de julho de 2019 - Sábado.

Inscrição sobre a porta das casa que encontramos de norte a sul na nossa viagem

Gilson tossiu a noite toda. Desde que desembarcamos em Hamburg essa tosse se fez presente. Mas agora ela estava tão intensa que ele mal conseguia dormir a noite... Tínhamos programado um passeio de moto por uma rota panorâmica descendo até o Complexo Industrial da Mina de Carvão de Zollverein, em Essen, classificado como Patrimônio Cultural da humanidade pela UNESCO, depois seguiríamos até a casa de minha irmã para um almoço tardio.

Levamos nosso piquenique e capas de chuva para a moto, Gilson deu a partida e saímos. Quando chegamos no final da descida da ladeira para iniciar a subida de outra o motor começou a apresentar falha intermitente e não tinha força para vencer o aclive. Tentamos de novo e Gilson percebeu que quando exigia potência ela não era capaz de fornecê-la. Ele suspeitou de falha de ignição. Decidimos voltar para encontrar o defeito.

Ele vinha reclamando dessa falha desde que chegamos em Hamburg, mas até então ela aparecia eventualmente e logo desaparecia, por isso não era possível identificar a causa daquelas apagadas sutis que agora impediam a moto de subir a morranca.

Ele foi verificar as velas. A última vez que o vi fazendo isso foi no início do nosso namoro, quando ele pilotava uma Turuna, que naquela época já era antiguinha. Ele retirou uma vela e a posicionou a 30 centímetros na altura dos olhos e balançou afirmativamente com a cabeça. Repetiu o processo com a outra vela e me chamou para mostrar e explicar seu prognóstico.

A cor do eletrodo estava marrom, um pouco mais escuro do que deveria para ser considerado normal. Mas a principal questão era o desgaste no eletrodo central, o que aumentava o GAP, distância entre o eletrodo central e o eletrodo-massa. A solução emergencial que Gilson adotou foi limpar a superfície do eletrodo e, com muita sensibilidade e segurança, aproximar o eletrodo-massa do eletrodo central, e assim trazer o GAP ao valor que deveria haver antes do desgaste. Na falta de um conjunto cálibre de lâminas, Gilson usou a lâmina de uma serra para metal da oficina de minha tia. Essas lâminas comumente tem espessura de 0.6mm, a mesma espessura do calibrador que seria usado nesse trabalho. Para curvar o eletrodo-massa ele apoiou a vela na bancada da oficina e deu batidinhas forçando uma leve deformação, até que os dois eletrodos ficassem separados apenas pela espessura da lâmina.

Em seguida, reinstalou as velas e fez o teste de ignição que foi promissor. Levou a moto para fora, desceu a ladeira e retornou até o topo. Andou pra cima e pra baixo várias vezes e quando sentiu que o comportamento das velas estava estável colocou o capacete e me convidou para subir e seguirmos os planos.

Ladeira abaixo, testando o comportamento da ignição

Já era tarde para o passeio programa então decidimos abandonar a visita o complexo. Passamos no centro histórico da pequena Breckerfeld, que teve o trânsito liberado nas ruas medievais, por conta de uma quermesse que estava rolando na rua principal, por uma estrada rural com diversos cultivos, descemos a estrada que corta um parque natural do rio Glör, onde há um point de motociclistas e, pois isso as marcas de zerinho queimadas no asfalto. Fomos subindo montanha, atravessando pequenos lugarejos e descendo até chegar à autoestrada que nos levaria até a casa de minha irmã. Era estranho ver tantas folhas secas no chão faltando 2 meses para o início do outono... Era efeito do calor excessivo e a chuva reduzida nos últimos dois anos, que revelavam também muitas árvores isoladas sem vida nos bosques e florestas.

Num posto de abastecimento Gilson achou graça os mictórios terem telas de led passando curta-metragens anti-erro-de-pontaria. - Rá! - No caixa, o gerente informou o valor a pagar em português e deixou Gilson feliz por finalmente poder conversar sem intermediação. Contou que aprendeu o idioma com sua esposa, que é carioca. Com muito tato perguntou se estávamos satisfeitos com o nosso novo presidente. Não era a primeira vez que nos perguntavam isso. Sua reação foi idêntica à dos demais, ficou aliviado quando dissemos que fizemos campanha contra sua eleição e disse que é difícil entender que uma pessoa sem qualificações seja eleita presidente de uma nação.

O encontro com minha irmã e sua familia foi muito bom. Gilson passou trabalho para provar todos os tipos de linguiças grelhadas em nossa "homenagem", eu contei uns sete tipos diferentes. Pois é, na condição de vegetariana, não sofro desse mal. - Rá! -

A despedida foi difícil e meio nostálgica, por isso não percebi que a falha no sistema elétrico persistia. A autoestrada estava cheia, mesmo sem caminhões que ficam proibidos de transitar nos finais de semana. A velocidade estranhamente baixa não estava relacionada a obras na rodovia. Mais tarde soubemos que alguns trechos da Autobahn tiveram velocidade limitada a 100km/h como medida emergencial para evitar danos ao asfalto por conta das temperaturas recordes no país.

No início da subida da montanha, Gilson perguntou se eu tinha percebido um flash. Sim, e me pareceu ser um radar. Não conseguimos ter certeza se o flash foi para nós, porque Gilson estava no limite de velocidade máxima permitida, ou para o outro veículo que cruzou conosco naquele momento. Aqui há dois tipos de radar, é possível que aquele fosse do tipo que só tem função de foto frontal, um tipo mais comum em rodovias, o que segundo nos contou Lars, livra motociclistas do registro de flagrantes porque não há como identificar a moto sem o registro de sua placa. Radares com função conjunta de foto frontal e retaguarda são mais comuns dentro do perímetro urbano, principalmente nos cruzamentos com semáforos. De qualquer forma, foi um lembrete para atentarmos à sinalização e respeitá-la.

De volta à casa de Margarete, ela nos aguardava com um jantar simples, saboroso e vegetariano e uma cerveja para cada um. Conversamos até tarde naquela noite.