Bárbara
- 10 de fev. de 2023

22° dia: PACOTE VAZIO NÃO PARA EM PÉ - Berlim

Atualizado: 3 de mar. de 2023

sdvmnszdfknsçbxz nbifhjm — "Meu Deus, Ajuda-me a Sobreviver a Este Amor Mortal" graffiti de Dmitri Vrubel, 1990. A pintura representa Leonid Brezhnev e Erich Honecker em um beijo fraternal socialista, reproduzindo uma fotografia que capturou tal momento em 1979, durante o 30.º aniversário da fundação da Alemanha Oriental. O graffiti é um dos mais conhecidos do Muro de Berlim.

Berlim, 15 de agosto de 2019 - Quinta-feira.

Saímos ontem de Bad Kösen e percorremos os 230 km até Berlim no final da tarde, passando por muitas obras na autoestrada.

Depois de 7 dias dias pilotando ininterruptamente por autoestradas e pequenos vilarejos, entrar no trânsito de uma cidade grande como Berlim exigiu readaptação.

Berlim é moderna e cheia de história, de perfil inovador e com uma capacidade excepcional de se adaptar e reinventar. Eu já a conhecia de antes da reunificação da Alemanha, mas para Gilson, que a guardava num lugar especial em seu imaginário, seria a primeira vez na cidade. Estava em nossa lista de destinos para reencontrarmos um velho amigo que mora aí.

A busca por hotel despertou uma pontada de decepção quando o recepcionista, depois de me medir do capacete à bota, informou que não tinha mais quartos disponíveis, apesar de o site informar que havia... Cheguei a cogitar algum tipo preconceito com motociclistas, mas achei mais provável que fosse um problema com o site de reservas. Encontramos outro hotel de uma categoria um pouco superior e na mesma faixa de preço logo ali na esquina com garagem subterrânea. Acabou sendo uma hospedagem muito boa com uma interessante iniciativa de apoio a projetos sociais na África, e nem nos cobraram pela vaga de moto.

O cansaço bateu forte enquanto subimos ao nosso quarto, compartilhando o elevador com um rapaz empolgado com seu drink-cortesia enfeitado por um guarda-chuvinha. Podíamos escolher a cortesia oferecida pelo hotel entre um drink num pub descendo a rua ou uma garrafa de vinho alemão no quarto.

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Fizemos um lanche rápido numa lanchonete árabe na esquina, depois voltamos pro quarto onde tomamos banho, lavamos algumas roupas e caímos no sono.

Um dos projeto socais na África apoiados pelo hotel em que ficamos

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O café da manhã estava muito bom e era servido num refeitório grande no térreo com portas balcão que dão diretamente para a calçada, de onde se pode observar o vai e vem das pessoas. O Hotel fica no bairro de intensa vida noturna. De madrugada Gilson acordou com um barulho de batida. ele contou que um patinete conduzido por um homem bêbado tinha atropelado um outro homem bêbado. Eles se falaram, um deles ficou alisando a área abdominal, demonstrando dor. Ambos telefonaram e dois minutos depois chegou uma ambulância. O guarda-vidas verificou os olhos do atropelado e o levou para avaliação no interior da ambulância. O outro ficou ali, tentando fazer o patinete funcionar, em vão. Abandonou o patinete e foi embora a pé. A latinha de Red Bull ficou em cima do capô de um carro estacionado ali.

Pouco depois de ouvir essa história, vimos um pai acompanhado de uma criança em idade pré-escolar se espantar com a latinha de Red Bull que continuava sobre o capô do carro depois do atropelamento, mandou a criança esperar por ele, atravessou a rua com determinação, apanhou a latinha e a colocou na lixeira, limpou a marca que tinha ficado sobre o capô, atravessou a rua para reencontrar o filho que o esperava, e continuou seu trajeto... Coisas que acontecem em Berlim.

Enquanto esperávamos o horário para o encontro com nosso amigo Geöh, que vive no antigo lado oriental da cidade, estudamos os mapas da cidade. Meu celular tinha voltado a funcionar normalmente. Sabe os 3 botões em baixo? Só funcionava o botão físico do meio. Os outros dois, digitais, me deiraram na mão nos últimos dias. Suspeitei que fosse problema com umidade. O defeito me atrapalhou muito, porque a navegação era minha tarefa. Agora que estavam operacionais fiquei aliviada! Só que a minha internet também não estava funcionando como antes e eu não conseguia entender o motivo. Essa dificuldade me deixou tensa até a hora de sair.

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A visita ao nosso amigo foi muito boa! Conversamos muito, o que particularmente para o Gilson, foi a primeira oportunidade em dias de conversar com alguém sem minha intermediação com traduções. Geöh nos proporcionou horas agradáveis e descontraídas em sua companhia divertida. Mostrou seu amplo apartamento construído após a segunda guerra mundial, o seu o bairro, a trilha ao longo do rio com suas pequenas marinas fluviais, e todo o ambiente da antiga zona industrial e portuária convertida em Centro Cultural onde fica a Fundação Reinbeck (RBH - Reinbeckhallen) que acolhe projetos de incentivo à arte contemporânea. Era um dia típico de semana, e pudemos presenciar o cotidiano num bairro residencial e até escolher alguns objetos deixados na calçada para doação.

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Na volta para o hotel a falta da internet escancarou seu impacto sobre minha recém descoberta dependência à tecnologia da informação e nos forçou puxarmos pela própria memória os mapas que visualizamos naquela manhã e o caminho que percorremos na vinda para cá que tinha várias obras de infraestrutura. Toda a tensão acumulada e a falta de certeza quase nos levaram a sofrer um acidente num cruzamento, no momento em que ao abrir o sinal para dobrar à esquerda, não olhamos para a direita para verificar se vinha algum veículo. Pois então, vinha. Na Alemanha o sinal fica verde tanto para quem vem na preferencial como para quem vai dobrar à esquerda atravessando a preferencial. Também fizemos uma conversão proibida na frente de um carro de polícia...

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Apesar de tudo, conseguimos voltar ao bairro do hotel, onde também fica o East Side Gallery, que estávamos indo conhecer. Deixamos a moto estacionada na calçada da avenida, almoçamos e perdi o carregador original da GoPro 😔. Percebi que fico bem perdida sem internet.

Caminhamos ao longo do East Side Galery, um trecho remanescente do muro que cercava Berlim ocidental e a isolava da Berlim oriental e do resto da Alemanha oriental, simbolizando a divisão do mundo durante a guerra fria. A East Side Gallery fica na rua Mühlenstraße e começa no número 78. Este é um dos segmentos que restaram do muro que foi tombado como monumento histórico. O lado voltado para o rio Spree era o setor americano na cidade, o lado voltado para a avenida era o oriental pertencente ao setor russo, é hoje todo colorido por grafites, uma tradição que se perpetua desde 1990, depois da queda do muro de Berlim, como uma forma de preservar a lembrança dos tempos sombrios através da arte. Embora o grafite seja uma arte efêmera, alguns destes mais antigos e famosos são mantidos e tem proteção oficial do patrimônio histórico. Como todo grafite, as obras são expressões de reflexões, protesto ou crítica. É uma galeria de arte contemporânea a céu aberto, considerada a maior do mundo em extensão, visitada por turistas e artistas de rua e sua importância está ligada à história recente.

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Novamente usando a intuição encontramos o hotel, quando finalmente descobri que o problema da internet era o pacote de dados já vencido. Fomos então a pé ao shopping para prolongar o pacote de dados. Fiquei exausta com toda a tensão de me orientar na cidade, negociar na loja e traduzir para o Gilson. Só lembro que, de volta ao hotel, caí na cama e dormi profundamente. Minha mãe já dizia que "pacote vazio não para em pé". Claro que ela se referia a uma pessoa que não se alimenta o suficiente, no meu caso porém, vazio era o pacote de dados de internet e o pacote físico e emocional do meu próprio corpo. Precisava urgente de um descanso. Quando acordei, encontrei um bilhete do Gilson que dizia que ele tinha saído para passear, comer e cortar o cabelo.

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Enquanto esperava o Gilson voltar, subi ao lounge no terraço, que era uma belezura e de onde se vê a torre de TV com a esfera prateada, levando comigo a garrafa de vinho branco, cortesia do Hotel.

Daqui de cima o som de Berlim é um som que lembra o mar (de longe), e de vez em quando o som de uma ambulância, bi-bó-bi-bó, acionada apenas pelo tempo de avisar a passagem pelo semáforo. Suspeito que não há emergência nenhuma. Berlin é uma cidade exótica, do ponto de vista do encontro da tradição, história e vanguarda. Fiquei aí tentando desestressar. O Gilson gosta da muvuca doida dessa cidade, já eu, prefiro a calma do terraço.

Fiquei bebendo sozinha e fazendo contato com os amigos e parentes no Brasil, fazia dias que não mandava fotos e notícias. Avisei o Gilson onde estava e como chegar ao topo pelo caminho tortuoso que eu temia voltar depois de meia garrafa de vinho.

"É bem bonito aqui em cima. Bom para beber o vinho que ganhamos. Sobe aqui, vale a pena. Bota um casaquinho, tem vento. Vou descer e buscar um casaco. Tá frio!

Meu deuschducéu, esse corretor ortográfico bagunçou toda narrativa. Dou 1 real, que está na minha carteira me acompanganso nessa viáji, quem encontrar todos os erros que o corretor corrigiu. Valendo!

Ick, tomei uma taça de vinho e já estou falando bobági...🍷 Só sinto que vou ter que descer daqui a pouco porque o vinho chegou lá embaixo e está pedindo passagem..."

Começavam a chegar ao terraço alguns grupos de hóspedes conversando animadamente. Estão bem alegres. O álcool e o descanso me entorpeceram e só então consegui achar graça nas tantas trapalhadas causadas por esta moça tensa, euzinha.

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Gilson voltou contando que passeou bastante no entorno do hotel, mas que a dificuldade com a língua alemã atrapalhou um pouco o que poderia ter sido uma aventura urbana aleatória de descobertas, que era sua expectativa. Não conseguiu cortar o cabelo porque o salão fechou no exato momento em que chegou à sua porta.

Ele percebeu meu esgotamento e, apesar de estar super disposto a conhecer a cidade, achou melhor deixarmos o turismo de lado e adiantarmos o retorno a Hamburg para podermos descansar das nossas férias nos últimos dias antes do retorno ao Brasil. Afinal, com uma mãe idosa com restrições de mobilidade para pajear no regresso, o "pacote" precisa estar em condições.